As sociedades nem sempre constroem cidades. Quando o fazem, têm nelas um modo de existência material como meio de existência e símbolo do que são e pretendem. Moldada por uma sociedade, a cidade passa a ser molde para outras que nela venham querer habitar. Símbolo do que é uma sociedade, a cidade pode iludir ostentando o que uma sociedade não é. Sociedades podem desaparecer sem que o façam suas cidades. Na cidade, há domínios exclusivos, onde quem os têm como seus priva todos os outros de seu uso: os espaços privados. Os domínios privados relacionam-se pelo vazio de ruas e praças, meios de relação de cada um com todos os demais: o espaço público, a princípio, é um mero vazio. Edificações e demais meios materiais existentes em função do bem comum ocupam em parte o vazio público: é a coisa pública. A coisa pública, sendo também matéria, é diferente da pessoal: sua apropriação é sempre provisória, nunca definitiva. Por vezes, os bens comuns são tomados ao conjunto dos cidadãos, adquirindo o caráter de uma perene posse pessoal, quando, então, chegam a transformar-se em meros monumentos à vaidade pessoal. Enfim, a cidade, suas ruas, suas praças e edifícios públicos em suas definições primeiras e permanentes, às quais todas as outras devem reportar-se.
Uma primeira versão deste instigante texto foi publicada na revista Caramelo 7, São Paulo, FAUUSP, 1994, mas difere da ora publicada em vários aspectos. A presente versão é a reedição da que aparece no livro Dois ensaios, São Paulo, Alice Foz, 2003, hoje esgotado. (05/09/2017)